MADRID, 13 (EUROPA PRESS)
“Se eu enfrentar o racismo sozinho, o sistema esmagar-me-á facilmente. Quando estamos todos juntos, quando pessoas importantes tocam no assunto, como o presidente do Brasil, como o presidente da UEFA, como Kylian [Mbappé]como Neymar, grandes ex-jogadores como Rio Ferdinand, que sempre me escreve e está comigo nesta luta? Então, isso necessariamente tem mais peso”, disse Vinicius durante a entrevista publicada nesta sexta-feira no jornal francês.
O jogador madridista recordou os muitos assobios que recebeu ao longo da época passada na LaLiga. “Aconteceu em muitas ocasiões, e no Valência de uma forma flagrante e importante. Senti muita tristeza. Se estou em campo é para fazer as pessoas felizes. E um grupo, que sei que é uma minoria, pode afetar-nos ao ponto de deixarmos de pensar em jogar. Aprendi muito sobre o racismo. Todos os dias sei mais. É uma questão muito complexa”, disse ele.
“No passado, as pessoas eram escravizadas. Isso interessa-me. Espero sinceramente que estes episódios não voltem a acontecer. Não só comigo, mas com todos os jogadores, com toda a gente… e especialmente com as crianças. Elas não estão preparadas para este tipo de momentos. Desde os meus 19 anos que me interesso pela questão do racismo. Compreendo um pouco melhor como devo reagir. Fico contente por as coisas estarem a mudar”, comemorou.
“As leis vão mudar e, nos estádios, acho que isso vai acontecer cada vez menos por causa disso. Nós conversamos uns com os outros sobre isso. Muitos jogadores falam comigo. Varane, Kylian, Hakimi, Lukak …. Temos de atuar todos em conjunto para que este tipo de coisas aconteça cada vez menos”, afirmou Vinícius.
Além disso, o futebolista brasileiro explicou como lidou com o seu confronto no Estádio Mestalla. “O que aconteceu em Valência foi na 35ª jornada, mas em todos os jogos fora disputados antes disso houve episódios de racismo. Nunca fizeram nada. Eu já tinha falado com a LaLiga para dizer que isto tinha de mudar. Eles não me ouviram. Ouviram-me a partir do momento em que o mundo inteiro começou a falar de Espanha. Isso fê-los reagir”, descreveu.
“Pessoalmente, sei que não vou mudar a história, que não vou fazer de Espanha um país sem racistas, nem o mundo inteiro. Mas sei que posso mudar algumas coisas. Para que os que virão nos próximos anos não passem por isto, para que as crianças possam ter paz de espírito no futuro. Vou fazer tudo o que puder por eles”, vaticinou o avançado merengue.
“Toda a gente nos envia mensagens de texto quando algo acontece, mas assim que acaba, não nos falam mais. Mas eu tive apoio! Do clube, claro, e também dos jogadores, sobretudo daqueles que já sofreram estas coisas. É assim que as coisas vão mudar: se os jogadores estiverem juntos. Quando passei por isto, tive muito apoio, o que é bom. Acima de tudo, temos de continuar a lutar. Durante muito tempo… Para sempre! Isto não vai acabar imediatamente e eu não vou deixar de lutar”, insistiu.
“Em Valência, um grupo inteiro num estádio insulta um jogador e no jogo seguinte pode jogar normalmente? Com os seus adeptos, sem perder pontos, sem sanções? É daí que virá a mudança. Penso que temos de agir para que os racistas tenham medo de dizer coisas que podem afetar-me a mim, mas também as suas vidas. As pessoas precisam entender”, argumentou Vinícius.
O atacante brasileiro sublinhou que “no fundo, eu nem quero transmitir o meu medo aos outros”. “Só quero ter paz de espírito para jogar e saber que não vou ser insultado em campo por ser negro. Se um espetador me insultar porque marquei um golo, tudo bem. Ele pode insultar-me sem me faltar ao respeito. Pode assobiar-me durante todo o jogo. Não me interessa. Quando se trata de racismo, é outra coisa”, sublinha.
“Os assobios… os assobios fazem parte do jogo. Messi, Cristiano Ronaldo, Benzema, Neymar, etc., todos eles já passaram por isso. Os adeptos das outras equipas provocam-nos e isso é normal. E eu também gosto disso, motiva-me a marcá-los. Mas quanto ao racismo… Não acredito num mundo sem racistas, mas eles têm de se tornar uma minoria. As próximas gerações não vão poder continuar a achar que é normal”, afirmou.
“As crianças de hoje vêem os pais a agir assim e dizem para si próprias: ‘Se ele faz isso, é normal’. Quero um mundo em que um pai transmita ao seu filho que ser racista é mau. Ao longo das gerações, libertar-nos-emos. Não vamos acabar com o racismo, mas vamos torná-lo uma minoria”, prevê Vinícius.
“No campo, as pessoas gritam e a gente ouve. Nas ruas, enfrentamos um racismo diferente. Se eu entrar numa loja e alguém olhar para mim por causa da cor da minha pele, isso é racismo. Se alguém se candidata a um emprego e, entre um branco e um negro, determinamos quem deve ser escolhido devido à cor da sua pele, e não porque um ou outro é melhor, isso é racismo. Pessoalmente, não o vivi muito no Brasil, porque o futebol tornou-me famoso durante muito tempo”, recorda.
“Quando tinha 9 ou 10 anos, já era conhecido. Por exemplo, não me viam numa loja. Senti isso especialmente nos campos de futebol. Mesmo no meu país natal. Há muito tempo que se fala disso, alguns podem até ir para a prisão; por isso, penso que há menos do que em Espanha, mas há muitos. Sofri muito por causa disso”, afirmou.
“É algo por que quero continuar a lutar. Não quero que o meu irmão mais novo passe pelo que eu passei. Não quero que o meu primo passe pelo mesmo. Não quero que os meus entes queridos passem por isso. Não quero que ninguém passe por estes momentos. É muito triste. E quero que um dia não tenha de falar sobre isto durante 30 minutos numa entrevista. Isso significará que as coisas mudaram e que só falaremos de coisas felizes!
Por outro lado, Vinícius falou sobre o quanto gosta de estar no Real Madrid. “Acho que poderia ficar aqui a minha carreira toda, mas o clube da minha vida é o Flamengo. Prometi ao meu pai que um dia voltaria. Tenho que cumprir essa promessa”, comentou.
“Se Camavinga ou Rodrygo me dão assistências, ou o contrário, é porque as coisas estão a correr muito bem fora do campo. Também temos o Jude [Bellingham]que acabou de chegar, e Tchouameni, que está cá há um ano. Levei o ‘Cama’ ao Brasil este verão e ele já é um de nós. Joga como um brasileiro, dança como um brasileiro, quer voltar!”, brincou sobre os companheiros do Real Madrid.
“Eu e o Rodrygo conhecemo-nos há anos, jogámos um contra o outro quando tínhamos 11 anos. O mesmo se passa com o Militão, que conheço desde muito novo. Somos apenas um grupo de rapazes da mesma idade que querem alcançar grandes feitos. Passo mais tempo com eles do que com a minha família! Além disso, não temos namorada nem filhos. É mais fácil organizar jantares”, riu-se.
Por fim, deu a sua opinião sobre a situação de Mbappé e o futuro: “Toda a gente aqui quer jogar com o Kylian. Espero que um dia isso aconteça. Ele é um dos melhores jogadores, talvez o melhor jogador neste momento. Neste contexto, Vinícius elogiou Karim Benzema. “Ensinou-me muito, dentro e fora do campo, e disse-me sempre a verdade. Fez com que me concentrasse mais nos meus objectivos”, comentou.
“Bola de Ouro? Esperemos que sim, mas prioridade na equipa. Como o Karim. Ele deu todas as assistências ao Cristiano e foi sempre o Cristiano que ficou com o troféu. No final, foi ele que acabou por ganhar. Falo sempre da importância dos meus colegas de equipa. Se eu marcar 60 golos numa época e não ganharmos, não vale a pena”, concluiu Vinícius.